imaginem a morte
como imagem monumental
– Évora, Hallstatt, Kutná Hora –,
em memória
dos ossos nossos de cada dia
em espera penitente
de todos os outros ossos
que se lhes hão-de ir juntando,
pelos séculos dos séculos.
imaginem a morte
monstro sem lugar
nas tipologias dos bichos,
inclassificável de feio,
sem hábitos nem habitat,
com esqueleto
por dentro
e por fora.
ou imaginem a morte
como vaga figura narrativa,
talvez com rosto revelado de gente,
talvez escondendo-o debaixo
de um franciscano capuz.
imaginem a morte barqueiro soturno,
misterioso cavaleiro, faz de conta que viajante
à procura de abrigo para a noite.
ou então, imaginem a morte
como gaia ilustração,
um monte de ossos vivaço
a bater o fandango
na folga da monda d’almas
em que sem descanso s’empenha.
se a imaginarem assim
imaginem-na
a estender-vos sorrindo a mão descarnada
e a convidar-vos, gozosa,
com voz de falsete:
“venham de lá esses ossos!”
os ossos
pois,
os meus,
os teus,
os nossos,
os ossos
deste ofício
de estar vivo
[Imagem do Tarot Visconti, Beinecke Rare Book and Manuscript Library, Yale University, New Haven, Connecticut, tirada da Wikipedia]
1 comentário:
Sem ossos. Sem espinhas. Sem. Inexistindo.
Que sossego!
Enviar um comentário