08/08/11

Crónicas de Svendborg # 1: Søren Kanne

O comboio que, à chegada à Dinamarca, apanhámos de Copenhaga para Slagelse chamava-se Søren Kanne. Gosto da ideia de os comboios terem nomes, que são também temas. No Søren Kanne, conta-se, em painéis espalhados pelo comboio, a história do camponês da Jutlândia que lhe deu o nome. Ou melhor, o seu feito heroico, porque é a esse feito heroico que se resume hoje a história do homem. Traduzo o texto da Wikipédia em dinamarquês, que não é muito diferente do texto que se pode ler no comboio:
A 15 de fevereiro de 1835, afundou-se o navio Benthe Marie, de Helsingør, a cerca de 50 metros de Grenå Sønderstrand. Um dos três tripulantes afogou-se e outro nadou para terra, ficando o capitão Ole Jensen Jyde agarrado aos restos do barco. Søren Kanne, que morava na Casa da Praia, em Hessel Hede, a sul de Grenå, foi, com dois cavalos, até ao barco, montou o capitão num dos cavalos e trouxe-o assim para terra, salvando-o.
O acontecimento foi referido em vários jornais, na sequência do artigo de 24 de março do Semanário do Camponês Dinamarquês. Em Århus, na sequência do artigo do jornal Aarhuus Stiftstidende, fez-se uma coleta para uma bandeja de prata para Søren Kanne e o rei Frederico VI condecorou-o com uma Medalha de Salvamento de Afogados e deu-lhe 40 táleres. Steen Steensen Blicher escreveu também um poema, “En ny Vise om en Sømand og en Landmand[1]”, sobre o feito de Søren Kanne. E vejam lá, a poesia, que normalmente não serve para nada, serviu neste caso para preservar e divulgar a história de Søren Kanne. Não fosse o poema de Blicher e não haveria hoje, tenho a certeza, nenhum comboio chamado Søren Kanne.
“O resto da vida de Søren Kanne”, continua o texto da Wikipédia, “foi sem grandes acontecimentos e, ironicamente, veio a morrer afogado no ribeiro de Grenå[2].”
Acabasse aqui o texto da Wikipédia e teríamos, na minha opinião, mais uma prova de que há textos que, sem a isso aspirarem, conseguem maravilhas de literariedade
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[1] “Uma nova canção sobre um marinheiro e um camponês”, aqui em dinamarquês, para quem saiba ler a língua de Blicher… Porque não o traduzo eu? Sinceramente, porque acho que não vale o trabalho...
[2] Na Dinamarca, não sei se os meus leitores o saberão, não há um único rio – só cursos de água muito pequenos. Pequena como esses ribeiros é a palavra que os designa em dinamarquês, å. Juntamente com ø, que significa ilha, é dos substantivos mais curtos das línguas europeias.

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