18/11/23

Culher


Mas dizei-me: não seria muito melhor escrever culher que colher? É que culher matava dois coelhos de uma só cajadada: ficava mais próximo do étimo imediato, o francês cuillère, e inscrevia-se naturalmente num miniparadigma de palavras terminadas em /ér/ com U na sílaba anterior: mulher, puser e puder – que se opõe a outro de palavras terminadas em /êr/ com O na sílaba anterior (são muitas…). Como puder se opõe a poder, culher opor-se-ia a colher («apanhar). 

A palavra francesa que importámos escreve-se já com U – que refletia e reflete a pronúncia – pelo menos desde a segunda metade do século XI (culier), embora se documentem no séc. XII as grafias coller e cuillier (ver aqui). A partir daí, sempre com U. A grafia com O portuguesa é, muito provavelmente, um latinismo, para dar conta da etimologia última da palavra francesa importada, o latim cochlear(e)-, mas, na breve pesquisa que fiz para este texto, não consegui descobrir se a palavra portuguesa alguma vez se escreveu com U ou se alguma vez o O se pronunciou de outra forma que não /u/. É também muito provavelmente a importação da palavra francesa que justifica as formas culler em galego e cullera em catalão, entre outras.  

E, agora que falo disso, penso, de repente, que a grafia com U nos «integraria» nas outras colheres latinas: as palavras correspondentes (e de etimologia aparentada) em muitas línguas românicas são com U: cuciaro em véneto, cucchiaio em italiano, cucchiara em siciliano, cuchara em castelhano, cuillère em francês, culhièr em occitano, cullara em aragonês, cullera em catalão e cuyar em asturiano (etc.?). É claro, pode argumentar-se que ser igual aos outros não é propriamente uma vantagem…  


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