31/05/25

Uma ave de truz

Começo como começava (como começavam...) as redações das escolas primárias de há muito tempo: a avestruz é um animal útil, porque nos dá as penas, a carne, os ovos e uma história que é mentira.

A gema de um ovo de avestruz é a maior célula animal que existe, porque as gemas dos ovos são as maiores células animais e os ovos de avestruz são os maiores de todos: li algures que, em média, equivalem a duas dúzias de ovos de galinha. Nunca comi ovo de avestruz (acho que, neste caso, ovo deve vir no singular e entender-se como partitivo: «nunca comi um bocado de ovo de  avestruz»...)

Os espanadores de plumas de avestruz são o melhores espanadores que há. Sem comparação. Agora, há de haver muito quem ache que não se deve andar a arrancar plumas às avestruzes e eu concordo. Mas também se pode argumentar que é melhor aproveitar as penas das avestruzes que são mortas para comer que mandá-las fora e é certo. E também se pode contra-argumentar que, comprando penas de avestruz, se está contribuir para um mercado que, se for suficientemente grande, pode levar a que se produzam avestruzes especificamente para lhes tirar as plumas, passando o resto a subproduto... Nunca comi carne de avestruz. 

A história que é mentira é que a avestruz mete a cabeça na areia quando se sente ameaçada, que deu origem à expressão enterrar a cabeça na areia como a avestruz e outras parecidas, para dizer «ignorar os seus problemas/a realidade». É estranho que se tenha acreditado numa história tão esquisita. Enterrar a cabeça na areia seria uma estratégia com grandes desvantagens adaptativas, não vos parece?

Chamam-se avestruz duas espécies do género StruthioStruthio camelus (a avestruz comum) e Struthio molybdophanes (a avestruz somali). E é precisamente da palavra que define o género, struthio-, que vem o nome de avestruz. Parece que a história do nome é a seguinte: em português arcaico existia o nome estruz, que vinha do latim strūthion, provavelmente através do provençal estrutz. O nome latino vinha do grego strouthíōn, um forma  abreviada de strouthokámēlos, um composto de strouthós, «pardal»,  e kámēlos, «camelo» que era – e ainda é – o nome da avestruz e que deu origem ao seu nome científico atual. O que é curioso, não só em português, como também noutras línguas, é que se tenha anteposto ave a estruz e que a palavra ave se tenha fundido com o nome do animal. É como se se chamasse reptilagarto a um lagarto, por exemplo... 

Os dicionários dizem que avestruz pode ter os dois géneros, mas creio que a diferença é dialetal: diz-se um avestruz no português do Brasil e uma avestruz no português de Portugal (e, creio, no português dos outros países de língua portuguesa, mas não tenho a certeza absoluta). Ave é uma palavra feminina, e já avis o era em latim, pelo que o uso do masculino significa que já ninguém associa a ave a primeira parte da palavra. Mas isso é verdade também quando se diz avestruz no feminino, não é? 

Já nem me lembro do que me levou a escrever este texto sobre a avestruz... Mas enfim, já que o escrevi, publico-o. 

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