16/07/25

Direita e esquerda

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Ainda não uso aparelhos auditivos, mas lido diariamente com pessoas que os usam. E nunca deixo de achar estranho o código de cores que para eles escolheram: vermelho do lado direito e azul do lado esquerdo. 

Evidentemente, uma convenção é só uma convenção e não há, em princípio, cores que sejam melhores que outras para marcar a direita e a esquerda. Mas então, por que razão acho eu estranha a convenção dos aparelhos auditivos? 

Uma razão poderia ser a conotação política das cores: em princípio (os EUA são a única exceção que conheço), associa-se o azul à direita política e o vermelho à esquerda*. Mas não creio que seja por isso. Acho que o que me faz achar estranha a convenção dos aparelhos auditivos é outra convenção na área da saúde: a de representar, em esquemas simplificados, o sangue arterial a vermelho, do lado esquerdo do corpo, e o sangue venoso a azul, do lado direito do corpo.


Imagem: pág. 168 de Hatfield, Marcus, The physiology and hygiene of the house in which we live, Nova Iorque: Chautauqua Press, 1887, daqui, modificada por mim.


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Esquerda e direita definem posições relativas, toda a gente sabe: se tenho alguém à minha frente, sei que tenho à minha direita o seu braço esquerdo e à minha esquerda o seu braço direito. E assim sucessivamente.
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Numa imagem, tomamos normalmente como referência quem a vê e não o que nela se vê («Da esquerda para a direita: Groucho, Chico, Harpo e Grummo»), mas compreendemos, naturalmente, que aquilo que se vê na imagem tem a sua direita e esquerda: Chico tem Groucho à sua direita e Harpo à sua esquerda. 

Quando se trata de letras, porém — e, muito provavelmente, de muitas outras coisas inanimadas em que não pensei —, compreendemos tão inflexivelmente o «da esquerda para a direita», que não aceitamos que elas próprias tenham a sua esquerda e direita, que um d minúsculo tenha o traço longo do seu lado esquerdo e o p minúsculo o traço longo do seu lado direito. 

Qualquer objeto orientado da minha esquerda para a minha direita terá a sua imagem no espelho orientada também da minha esquerda para a minha direita. Quando vemos uma imagem de uma palavra num espelho, ela continua a estar da nossa esquerda para a nossa direita – mas nós pensamos que está «ao contrário»: o d tem agora o seu traço longo do seu e nosso lado esquerdo. Mas isso é só porque virámos a palavra ao contrário para a refletir no espelho. Quando vemos uma palavra «ao contrário» no espelho, ela está também ao contrário, relativamente a nós, do que está quando a lemos: tem a «cara» virada para o espelho, como nós, em vez de ter a «cara» voltada para nós. Se a palavra estiver escrita numa superfície transparente, de maneira que possa ser refletida no espelho sem estar «virada para ele», a imagem que vemos no espelho é igual à que vemos diante de nós, não é «ao contrário». 

Imagem: «Quatro Irmãos Marx». Autor desconhecido, publicado no The New Orleans Times-Democrat, 11.5.1913, daqui.

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* Sobre direita e esquerda na política, escrevi fez por estes dias 17 anos um pequeno artigo de cerca de 4.350 palavras.

2 comentários:

jj.amarante disse...

Escrevi uma vez um pequeno artigo para uma revista que devia ter menos de 3500 carateres sem espaços ou 4200 com espaços. Confundi agora caracteres e palavras e comecei a achar que o post sobre esquerda e direita era muito comprido. Copiei o texto para o Microsoft Word e constatei que mesmo assim o Word contou 4359 palavras em vez das 3450 palavras referidas. O artigo é interessante, como é habitual neste blogue, mas a certa altura cansei-me, talvez esteja com um défice de atenção. E a regra simples "quem diz que a distinção entre direita e esquerda deixou de fazer sentido é de direita" parece-me que continua válida.

Quanto à esquerda e direita nos textos e nos números escrevi um post com cerca de 580 palavras: https://imagenscomtexto.blogspot.com/2009/06/pequenas-anomalias.html

V. M. Lucas Lindegaard disse...

Tem toda a razão, José Júlio, foi gralha minha: contei as palavras no word e depois troquei o 3 e o 4: queria escrever 4.350 e escrevi 3.450. Já está corrigido, muito obrigado. Muito obrigado também pelo link para o seu artigo, que, como sempre, gostei de ler.