03/09/13

A influência da lua na carne assada e outras questões

 A lua...
Deixai-me pasar a mao
                  polos cabelos da lúa!

Hoxe quero embebedar-me
                  co’a sua beleza núa.

Camaradas,
dai-me escadas
para ir beber na sua
boca
mortes aluadas!
Ernesto Guerra da Cal, “Bebedeira lunática”, in Lua de Alén-Mar, 1959

Lembram-se da superlua, que, afinal, não o foi? É natural, a superlua nunca é super por aí além. [Shari Balouchi explica aqui a superlua depressa e  bem, como dizem não há quem.] Nunca ouviram dizer que a lua cheia é causa de agitação, tanto entre os lunáticos (lunáticos!...) como entre as pessoas… hmm… normais? Bom, ao contrário do que se diz, não se registam mais casos de violência, crimes em geral, suicídio, nascimentos ou acidentes, nem se verifica aumento de ansiedade ou depressão, durante a lua cheia. [Eric H. Chudler reúne estudos e mais estudos numa página do seu site, para concluir que, afinal, a lua cheia não parece ter influência nenhuma nas pessoas.]

Mas, e sobre o crescimento das plantas? A lua tem ou não influência no crescimento das plantas? Tive há algum tempo uma conversa sobre isso com uma amiga minha e ela achava que sim. Já Linda Chalker-Scott, que é entendida nestas coisas (mais que a minha amiga, mas digo-vos isto baixinho e entre parêntesis, para a minha amiga não ficar aborrecida…) diz que não há nenhuma boa razão para acreditar nisso e desmonta, a título de exemplo, um artigo que pretende provar essa influência. Chalker-Scott  diz desse artigo que (traduzo eu), “se [as] [legítimas] referências a ritmos circadianos e diurnos tivessem sido deixadas de lado, as referências bibliográficas seriam muito escassas”. E diz mais:
Muitas das referências usadas [no artigo] como prova de efeitos lunares nas plantas são de qualidade duvidosa, já que não foram revistos pela comunidade científica; são os livros e as palestras em edição de autor. Além disso, para cada artigo que afirma haver um efeito lunar, encontro outro que nega completamente esse efeito. Dito isto, há alguns estudos legítimos que relacionam indiretamente ciclos lunares com a bioquímica das plantas. Por coincidência, a principal autora de um deles é uma amiga íntima e colega minha, cujas credenciais de pesquisa são impecáveis ​​(pode ver-se o artigo aqui).

É aqui que a fascinante e complexa natureza das interações entre espécies ajuda a explicar os dados discordantes. Os ciclos lunares afetam realmente determinadas espécies, incluindo alguns insetos herbívoros que estão dependentes do luar para comerem. Durante a lua cheia, esses insetos comem mais e as populações de plantas afetadas reagem alterando a digestibilidade dos seus tecidos. É provável que estas alterações bioquímicas tenham sido erroneamente atribuídas à influência direta da lua e não à defesa contra os herbívoros.
Linda Chalker-Scott não afirma perentoriamente, porém, que não há influência da lua nas plantas: diz antes que, para se confirmar ou infirmar a influência da lua nas plantas, haveria que realizar experiências de controlo que nunca foram feitas. Se fosse uma questão de linguística, era capaz de ter uma opinião sobre ela. De plantas e lua não percebo o suficiente para ter a minha própria opinião sobre o assunto. Mas não é só o valor de verdade da ideia de que o ciclo lunar afeta as plantas que me interessa aqui. Esta conversa sobre a conversa com a minha amiga é pretexto para outras conversas.

... e o resto
Quero propor à consideração favorável do leitor uma doutrina que receio que possa parecer extremamente paradoxal e subversiva. A doutrina em questão é a seguinte: que é indesejável acreditar numa proposição quando não há qualquer razão para supor que seja verdade. 
Bertrand Russell, Introdução a Sceptical Essays, 1928, traduzo eu
Neste caso, se todas as tentativas de provar a influência lunar falham e não há trabalho feito que respeite as condições necessárias para se poder chegar a alguma conclusão razoável, que boa razão há para acreditar na influência da lua? Mas o facto é que quem planta pela lua, que é uma prática muito antiga, obtém bons resultados, dizia a minha amiga. Claro. Mas quem não planta pela lua também, não é verdade? Plantar pela lua não faz, provavelmente, mal nenhum – sobretudo se a lua não tiver, precisamente, influência sobre as plantas.

Sei de uma história que se aplica bem aqui. Um homem dizia que achava estranho que a mulher cortasse as pontas às peças de carne quando as assava no forno. A mulher insistia que tinha de se fazer assim, senão a carne não ficava como devia ser. Tinha aprendido com a mãe, que sempre tinha feito assim. Um dia, o homem, que já tinha barafustado muito com a mulher, porque achava completamente disparatado o procedimento, perguntou à sogra de onde lhe vinha aquele conhecimento e que explicação tinha para o facto de cortar as pontas a um pedaço de carne o tornar mais tenro (ou mais saboroso, ou mais rápido a assar, já não me lembro). A sogra respondeu-lhe que isso não podia ser, que cortar a carne não alterava nada no assado – ela tinha-o feito muitas vezes no passado quando o pedaço de carne não cabia na travessa de ir ao forno que ela tinha, que era pequenina, e guardava as pontas para fritar*...

É esta a história de muitas tradições em cuja eficácia não há nenhuma boa razão para acreditar, mas que funcionam – como funciona fazer outra coisa qualquer. A carne assada fica boa, se lhe cortarmos as pontas.Também acho muito bem que se tome chá de limão com mel quando se está constipado; mas, muito provavelmente (depende do estado de espírito na altura), farei um reparo a quem me disser que o chá de limão com mel faz bem à constipação… 
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* Nota acrescentada a 19 de junho de 2014: Não me lembro de onde ouvi esta história, mas descobri hoje que, segundo a jornalista Cathy Young no The Atlantic (13-06-2014), é uma história de Karen DeCrow.

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