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António Nobre, embora seja muito em inho,
é o grande Só que somos nós,
por isso gosto dele (ai de mim, coitadinho!)
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Alexandre O’Neill, em «Autocrítica», in Feira Cabisbaixa, 1965
«Sós: assim somos todos nós». Soa bem, podia ser o título ou a primeira linha de um ensaio ou de um poema. Já «Sozinhos: assim somos todos nós» parece que não soa tão bem. Pode ser apenas uma questão de rima e ritmo, mas creio que é também – e sobretudo – uma questão de significado. Só e sozinho não são bem a mesma coisa, pois não? E é curioso, ninguém pensa em sozinho como sendo o diminutivo de só, mas é isso que é – ou, pelo menos, que começou por ser.
Falemos um pouco de inhos: -inho é o mais comum dos vários sufixos ditos diminutivos que há em português. A designação diminutivo, como muitas expressões antigas de gramática, é um bocadinho enganadora. É certo que o -inho pode significar «pequeno», isto é, ser qualificativo e efetivamente diminutivo: «só um golinho para provar», «uma cadeirinha de brinquedo», «uma coisinha de nada», etc. Mas é capaz de não ser o uso mais comum. Muitas vezes, tem um uso – que não sei se se pode chamar modal, mas é um tipo de modal… – que marca uma apreciação: quase sempre, uma apreciação positiva («na caminha é que se está bem», «um vinhinho de primeira»), mas, às vezes, também pode assinalar depreciação («Eh pá, a carinha que ele tem!...» (os dicionários dão conta desse valor depreciativo, por exemplo, em mulherzinha, que constitui entrada própria).
Este uso afetivo do -inho português pode, nalgumas línguas, construir-se com um adjetivo. Em dinamarquês, por exemplo, «mit lille hus», literalmente «a minha pequena casa», pode corresponder exatamente a «a minha casinha» em frases em que não se descreve o seu tamanho, mas se dá antes conta de uma valoração afetiva da casa. Note-se, a propósito, que, ao contrário do que às vezes oiço dizer, a existência e o uso de diminutivos em português não tem nada de especial: os afixos «diminutivos» existem em muitas línguas (em todas as que conheço…), embora possa variar o que a tradição gramatical de cada língua considera «diminutivo». [Eis uma lista de afixos diminutivos em muitas línguas.]
E depois, há os diminutivos que mais parecem aumentativos. De facto, não são aumentativos no sentido em que casarão ou canzarrão o são, mas marcam antes uma quantificação que, basicamente, significa «completamente»: «não fiz nadinha», «cheguei a casa encharcadinho», «é uma bestinha», «o depósito estava cheiínho», etc.
Às vezes, este uso parece instável sem uma ajudinha. «Está maluquinho» é possível, mas é mais natural «está mesmo maluquinho» ou «está maluquinho de todo», uma coisa assim. É com adjetivos e advérbios que isto se verifica e verifica-se na maior parte dos casos. Às vezes, a entoação e o contexto podem, com alguns destes adjetivinhos ou adverbiozinhos, determinar qual é a tal apreciação modal tão comum nos nomezinhos, se mais ou menos positiva. Por exemplo, «É mesmo parvinho» pode, com contextos e entoações distintas, variar entre o claro despeito («é um perfeita idiota») e uma valorização afetiva de uma tirada jocosa ou humorística.
Agora, é capaz de ser possível fazer uma descrição geral da forma, suficientemente abstrata para explicar os vários usos, mas, se há, não a conheço. E é com certeza muito, muito difícil. A questão é sempre a mesma: um falante nativo do português sabe quando e como usar um -inho, sem nenhuma consciência do que faz, também em frases que nunca ouviu e em situações novas. Para isso, usa, com certeza, ou uma única regra que tem na mente sem sonhar que a tem e que gera todos os usos; ou então, com a mesma inconsciência, uma série de regras para os diferentes usos para as quais a forma está disponível. Agora, saber quais… Estão a ver que a Linguística é, afinal, uma coisa complicada?
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Uma curiosidade:
Não é só em sozinho que o diminutivo se lexicaliza, isto é, que passa a constituir outra forma que os falantes não reconhecem como simples diminutivo. Sombrinha é outro exemplo. E carrinha, e doninha… Também doninha não é palavra que um falante do português reconheça como diminutivo, mas é de facto essa a sua origem. Em La creación metafórica en el lenguaje (Montevideu: Universidad de la República, 1956), Eugenio Coseriu explica a história da palavra e dos termos para designar a Mustela nivalis noutras línguas próximas da nossa (traduzo eu):
[Uma] razão que determina substituições de signos e, por conseguinte, facilita a difusão (aceitação) das criações, metafóricas ou não, é o chamado «tabu linguístico», quer dizer, o fenómeno pelo qual se evitam certas palavras relacionadas com superstições e crenças, palavras essas que se substituem por empréstimos, eufemismos, circunlóquios, metáforas, antífrases, etc. (...)
Charles Le Brun: Fisionomias inspiradas pela doninha, cerca de 1670, pena. Museu do Louvre, Paris (daqui) |
Um exemplo (…) famoso é o da doninha: o termo próprio latino que a designava, mustela (francês antigo mousteile, catalão mustela, provençal mustelo) desapareceu da maioria dos dialetos romances ou só se encontra esporadicamente em zonas muito limitadas (leonês mostolilla, biscainho mustela e musterle, galego mustela), tendo sido substituído por uma série de nomes metafóricos, diminutivos e carinhoso, que revelam o desejo dos falantes de granjear a simpatia do animalejo. A mustela é hoje, conforme os dialetos, a «bela» ou «bonita» (francês belette, piemontês lombardo bellola e benula, veneziano belita, corso bellula, siciliano beḍḍula e espanhol dialetal bilidilla, bonuca, monuca, bunietsa e munietsa) ou uma «senhora», «menina» ou «esposinha» (italiano donnola, português doninha, romeno nevǎstuicǎ, galego donociña e donicela, asturiano donecilla); é uma «bela dama» (pirenaico danabere), ou «comadre» (castelhano comadreja, tolosano kumairelo, campidanês abruzo cummatrella e cummarella, romeno cumetrita), ou «nora» (português dialetal norinha); é «dama ou senhora das paredes» (galego dona das paredes, sardo dona de muru) ou «[a que tem cor de] pão e queijo» (aragonês navarro paniquesa, com variantes ou diminutivos noutras zonas de Espanha; anconitano panakašu e panaccacia). E, mais uma vez, o fenómeno é interidiomático, já que também se encontra noutras línguas europeias não românicas: também para os alemães a doninha é uma «jovem senhora» (Jüngferchen) ou um «formoso bichinho» (Schöntierlein), para os ingleses é uma fada (fairy); para os húngaros é uma «pequena dama» ou «esposinha» (menyét), e para os bascos «pão e queijo» (oguigaztai).