06/12/23

Plágios e armagedão, e desejos de Natal

 

Não sou daquelas pessoas que odeiam o Natal, mas há coisas que me perturbam nesta quadra. A que mais me perturba é a música. Também não é porque tenha alguma coisa contra a música de Natal em particular, mas tenho — e muito! — contra as playlists de êxitos mainstream de Natal que, nesta época do anos, me agridem todos os anos em todo o lado. A melhor expressão para classificar essas canções todas é, talvez, a que Ewan Mccoll usava para designar as muitas versões da sua canção “The First Time Ever I Saw Your Face”: uma «câmara de horrores». Não sou o único a ter este sentimento e já vi que se faz às vezes, em certos grupos, um jogo chamado Whamageddon, em que ganha a última pessoa que, nesse ano, ouvir tocar “Last Christmas”, dos Wham, seja lá onde for... Vá lá, este ano ainda não a ouvi, e vamos a 6 de dezembro, mas já sei que não sobrevivo muito mais tempo… 

E isto era só uma introdução. O tema central deste texto é o plágio. Ou melhor, processos de plágio que assentam numa compreensão do conceito que me parece, sinceramente, muito exagerada. Li no outro dia que um senhor chamado Andy Stone levou Mariah Carey e Walter Afanasieff a tribunal acusando-os de plagiarem, em “All I Want for Christmas Is You”, de 1994, uma canção da sua autoria com o mesmo título e que fora  gravada cinco antes por Vince Vance & The Valiants. Diz a acusação de Andy Stone (traduzo eu) «A frase “Tudo que eu quero no Natal és tu” pode parecer um lugar-comum hoje em dia; em 1988 era, no contexto, distintiva [...] Além disso, a combinação daquela sequência de acordes na melodia, com o refrão literalmente igual, é um clone de mais de 50% da obra original de [Stone], tanto na escolha da letra como na expressão harmónica.»

Devo deixar claro que a canção de Mariah Carey é, para mim, um dos espécimes mais proeminentes da tal câmara de horrores. Não é por ter por ela alguma estima especial que a defendo, se é que se pode chamar defesa ao que se segue. Mas vejamos:

Primeiro, a questão da sucessão de acordes. Bom, eu não sou músico, mas parece-me que a questão da harmonia é uma questão muito complicada: quantas canções não usam as mesmas sequências de acordes como suporte de melodias diferentes?  

Segundo, será que a frase “All I Want for Christmas Is You” era assim tão original em 1989? Bom, com uma pesquisa rápida e só em canções que foram grandes sucessos (a de Buck Owens foi nº 1 das tabelas americanas), encontro “You're All I Want for Christmas”, de Frankie Laine & Carl Fischer's Orchestra (1948); “You're All I Want for Christmas”, de Brook Benton (1963); “All I Want for Christmas Dear Is You”, de Buck Owens and His Buckaroos (1965); e “All I Want for Christmas Is You”, dos Foghat. Se a questão é a «ideia» central da canção, pode então considerar-se, por exemplo, que “All Kinds Of Everything” de Dana é um plágio do clássico “These Foolish Things (Remind Me of You)”? Enfim...

Oiçam a canção de Stone (presumo que a de Carey já conheçam) e digam de vossa justiça: acham que o outro “All I want for Christmas” é um plágio deste?


Depois das cantigas de Vince Vance & The Valiants e de Mariah Carey, não deixaram, claro, de se fazer canções centradas na mesma «ideia», que, na minha opinião merecem também figurar na câmara de horrores... Há também cantigas com outros desejos para o Natal mais originais que apenas «tu», como “All I Want for Christmas Is a Real Good Tan” ou “All I Want for Christmas Is New Year's Day”, mas as músicas não são, infelizmente, mais interessantes que as atrás referidas. Já a canção mais antiga de todas as que conheço como desejos de Natal, “All I Want for Christmas (Is My Two Front Teeth)”, de Spike Jones and His City Slickers (1947 ou 1948) é bastante interessante, se não musicalmente pelo menos foneticamente.


Pessoalmente, se tivesse que escolher uma canção sobre o que é que me basta como prenda de Natal, acho que escolhia esta de Bey Ireland, lançada em novembro de 1966.



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