29/12/23

Breve divagação à entrada em nova (?) fase da vida

Quando Alfred Sauvy cunhou a expressão Terceiro Mundo, usou Tiers Monde e não Troisième Monde, que seria a maneira normal de referir os países nessa altura ditos «subdesenvolvidos», se a ideia fosse apenas afirmar uma qualquer hierarquia dos mundos. Na mente de um falante do francês, o ordinal antigo tiers remete muito provavelmente para Tiers État, o Terceiro Estado do Antigo Regime (originalmente a burguesia, e, posteriormente, o povo em sentido lato), e essa referência é explícita na frase de Sauvy em que a expressão Tiers Monde aparece pela primeira vez – em L'Observateur, a 14.8.1952: «Porque, enfim, esse Terceiro Mundo ignorado, explorado, desprezado, como o Terceiro Estado, também quer ser algo»*. 

Já a expressão terceira idade, essa, não tem nenhuma conotação de classe oprimida que há de fazer a revolução. Terceiro é, aqui, um ordinal simples: é a última das tradicionais três idades da vida (se bem que agora já se fale às vezes de quarta idade...). Para muito efeitos práticos, como, por exemplo, organização de dados estatísticos, ofertas de vacinas e rastreio de certas doenças, ou descontos em transportes, museus, etc., em muitos países a terceira idade começa oficialmente aos 65 anos. 

A entrada na terceira idade pode também ser benéfica para a saúde. Isto depende um bocado de como se organizam os valores normais em cada país, é claro, mas, nalguns países, uma pressão arterial de 145/92, por exemplo, que, aos 64 anos estaria «um bocadinho alta», aos 65 passa a «normal para a sua idade, não se preocupe»; ou um IMC de 27, que aos 64 anos era «um pouco elevado», aos 65 já é perfeitamente normal.

De maneira que é assim.

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* Há aqui também uma referência à célebre afirmação de Emmanuel-Joseph Sieyès em 1789: 

O que é o Terceiro Estado? Tudo.
O que tem sido até agora na ordem política? Nada.
O que exige? Ser algo.

 

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