Os inconscientes arquitectos, após a conclusão do projecto
A casa construída
A casa construída, passadas alguma horas
A casa construída, passadas mais alguma horas
Sugiro que a consciência de si próprio é simplesmente usar os neurónios-espelho para “olhar para mim mesmo como se outra pessoa estivesse a olhar para mim” (…). O mecanismo dos neurónios-espelho (...), que originalmente evoluiu para nos ajudar a adoptar a perspectiva de outra pessoa, foi virado para dentro, para olharmos para nós próprios. Isto é essencialmente a base de coisas como “introspecção”. Pode não ser coincidência que usemos expressões como “self-conscious” [literalmente “consciente de si próprio”, mas significando “tímido” ou “pouco natural”] quando o que queremos de facto dizer é que alguém tem consciência de que os outros têm consciência dele. Ou que digamos “estou a reflectir” quando queremos dizer que estamos conscientes de estarmos a pensar. Por outras palavras, a capacidade de se virar para dentro para introspecção ou reflexão pode bem ser um tipo de extensão metafórica da capacidade dos neurónios-espelhos de ler outras mentes. Parte-se muitas vezes do princípio tácito de que a capacidade exclusivamente humana de elaborar uma “teoria de outras mentes” (ver o mundo da perspectiva de outrem, “ler a mente”, tentar descobrir quais são as intenções de alguém, etc.) deve vir depois de um preexistente sentido de si próprio. Estou aqui a defender que é exactamente o contrário que é verdade: a “teoria de outras mentes” evoluiu primeiro como resposta a necessidades de ordem social e só mais tarde, bónus inesperado, veio a capacidade de introspecção dos próprios pensamentos e intenções.V. S. Ramachandran diz depois que não se considera muito original ao defender estas ideias, porque elas fazem parte do espírito dos tempos que correm. Ora outra ideia que faz parte do espírito dos tempos é que existe uma dualidade natural na nossa concepção de nós mesmos que leva, em última análise, à ideia de uma essência de nós com as mesmas características que o conceito metafísico de alma. Já aqui referi uma vez, a (des)propósito de uma coisa completamente diferente, as ideias de Paul Bloom sobre esse tema. No artigo “The duel between body and soul”, (New York Times, Setembro de 2004), diz ele, por exemplo:
Perguntei uma vez ao meu filho Max, de seis anos, o que pensava do cérebro, e ele disse que é muito importante e que participa em muito pensamento – mas não é de lá que vêm o sonho ou sentir-se triste, ou gostar do seu irmão. Max disse que isso é ele que faz, embora admita que o cérebro o possa ajudar. Estudos de psicologia do desenvolvimento sugerem que crianças jovens não encaram o seu próprio cérebro como fonte de experiência consciente e de vontade. Vêem-no antes como uma ferramenta que se usa para determinadas operações mentais. É uma prótese cognitiva, acrescentada à alma para aumentar a sua capacidade de cálculo.Discordo de Bloom nalgumas das suas posições sobre a predisposição natural dos seres humanos para a religião, mas tenho tendência a concordar com ele na questão do dualismo, porque é precisamente isso que observo constantemente na maneira como as pessoas – incluindo eu próprio, claro está – vão “naturalmente” parar a uma concepção de si próprias segundo a qual há um verdadeiro eu essencial e outros eus que o são menos, ao sabor das circunstâncias. “Uma pessoa passa-se!”,“Eu não me reconheço no que fiz!”, “Nós conseguimos convencer-nos a nós próprios de muita coisa, se quisermos!”, “O que importa é livramo-nos do que nos impingem e sermos nós próprios!”, “Temos de aprender a aceitar-nos como realmente somos”, etc., etc.... E isto para não entrar já em questões mais complexas como a da entidade que escolhe, quando falamos de livre arbítrio...
Esta maneira de ver as coisas pode não ser muito diferente da de muitos adultos. As pessoas ficam muitas vezes surpreendidas ao descobrirem que certas partes do cérebro se revelam activas – acendem – num scanner quando se pensa em religião, sexo ou raça. Esta surpresa mostra o pressuposto tácito de que o cérebro participa nalguns aspectos da vida mental, mas não noutros. Mesmo os especialistas, ao descreverem esses resultados, caem na linguagem dualista: “Penso sobre sexo e isso activa tal e tal parte do meu cérebro” – como se houvesse dois acontecimentos distintos, primeiro o pensamento e depois a actividade cerebral.
Um rei árabe mandou uma vez plantar com amendoeiras toda a encosta de uma colina – para agradar à sua esposa favorita. Este rei, Almotamid, que reinou na região à volta de Sevilha em meados do século XI, quando Espanha era, em grande parte, uma colónia moura, mandou fazer esta plantação perto de Córdoba, porque a sua mulher – uma escrava cristã chamada Itimad – nunca tinha visto neve. Na Primavera, as pétalas caídas das flores das amendoeiras cobriam de branco as encostas, o mais parecido como neve que se conseguia no clima temperado do Sul de Espanha.Esta versão da história diverge, pois, da que nós que conhecemos como “portuguesa” e como “A lenda das amendoeiras” por não se passar no Algarve (embora, de facto, o reino de Al-Mutamid abrangesse também o Algarve) e no pormenor importante de que Al-Mutamid quer mostrar a I’timad que aspecto tem a neve, ao passo que na versão portuguesa (pelo menos, como eu a conheço) o rei mouro não identificado quer, com a “neve” artificial, matar as saudades que a sua nórdica esposa sente das paisagens de Inverno da sua terra natal. Na minha opinião, esta versão da história é muito mais bonita. Agora, a história é provavelmente tirada do Libro de los ejemplos del conde Lucanor y de Patronio, de Don Juan Manuel. Se assim for, a versão original, que vem em pouco mais de um parágrafo do “Exemplo XXX” desta obra, não é bem nem como a do livro das selecções do Reader’s Digest nem como a que eu aprendi na escola (traduzo eu), mas mais próxima desta do que daquela:
(…) um dia, estando em Córdova no mês de Fevereiro, caiu uma neve; e quando Ramaiquía a viu, começou a chorar. E perguntou-lhe o rei por que chorava. E ela disse-lhe que porque nunca a deixava estar em terra onde visse neve. E o rei, para lhe agradar, mandou pôr amendoais por toda a serra de Córdoba; para que, como Córdoba é terra quente e não neva aí todos os anos, em Fevereiro aparecessem floridos os amendoais, que parecem neve, para lhe fazer perder os desejos da neve.Agora, pergunto eu, por que é que Al-Mutamid não levou I’timad à Sierra Nevada, que fica ali perto? Apaixonado, talvez, mas de paixão preguiçosa.
O pensamento e o comportamento religiosos podem ser considerados parte das capacidades humanas naturais, como a música, os sistemas políticos, as relações familiares ou as alianças étnicas. Há descobertas da psicologia cognitiva, das neurociências, da antropologia cultural e da arqueologia que prometem mudar a nossa maneira de ver a religião. […] Uma descoberta importante é que as pessoas só têm consciência de algumas das suas ideias religiosas. […] A psicologia cognitiva mostra que [as suas crenças religiosas conscientes] são sempre acompanhadas por uma série de pressupostos tácitos que, em geral, não estão disponíveis para inspecção consciente. // Por exemplo, há experiências que mostram que a maior parte das pessoas tem expectativas altamente antropomórficas relativamente aos deuses, sejam quais forem as suas crenças explícitas. Quando lhes contam uma história em que um deus resolve vários problemas ao mesmo tempo, acham esse conceito bastante plausível, uma vez que os deuses são, em geral, descritos como tendo poderes cognitivos ilimitados. Recordando a história momentos mais tarde, a maior parte das pessoas diz que o deus resolveu uma situação antes de passar à situação seguinte. As pessoas também esperam implicitamente que as mentes dos seus deuses funcionem como mentes humanas, mostrando os mesmos processos de percepção, memória, raciocínio e motivação. Essas expectativas não são conscientes, e são muitas vezes contraditórias relativamente às suas crenças explícitas.
(...) Hess e Polt apresentaram a um grupo de 20 homens duas fotos idênticas de uma mulher, que diferiam num único aspecto. Numa, as pupilas da mulher tinham sido muito ampliadas, ao passo que, na outra, as pupilas eram extremamente pequenas. Em média, [a dilatação das pupilas] nos homens, em resposta à fotografia com as pupilas aumentadas, era duas vezes maior do que em resposta à fotografia com as pupilas pequenas. Após a experiência, pediu-se aos homens que comentassem as fotografias e a maior parte disse que eram idênticas. Entre os poucos que não disseram que as fotos eram iguais, alguns afirmaram que numa a mulher [com as pupilas dilatadas, entenda-se] era “mais bonita” ou “mais feminina”. Nenhum dos participantes no teste tinha notado a diferença de tamanho das pupilas da mulher da fotografia.“Ficou tudo histérico na aula”, tinha-me contado a minha colega, “quando o professor aventou a possibilidade de a nossa concepção de beleza ser determinada por mecanismos fisiológicos primários. Houve mesmo quem reagisse mal. A própria ideia de que se façam estudos puramente etológicos de seres humanos é chocante para muitos dos meus colegas.”
Sei muito bem que, seja o Sr. Rhodes o patriota e homem de estado nobre e digno de adoração que as multidões crêem que ele é, ou Satanás reencarnado, como o resto do mundo o considera, continua a ser a figura mais imponente do império britânico fora de Inglaterra. De cada vez que se põe de pé no Cabo da Boa Esperança, a sua sombra chega ao Zambeze. É o único colono dos domínios britânicos cujos afazeres são objectos de crónica e de discussão em todos os meridianos do globo, e cujos discursos, em versão integral, são telegrafados dos confins da Terra; e é o único forasteiro sem sangue real cuja chegada a Londres pode competir, na atenção que recebe, com um eclipse.Que seja um homem extraordinário, e não um acidente da fortuna, nem os seus mais encarniçados inimigos da África do Sul estavam dispostos a negar, pelo que os ouvi testemunharem. Toda a África do Sul parecia tremer de medo dele – tanto amigos como inimigos. É como se fosse o delegado de Deus, por um lado, e o delegado de Satã, pelo outro, dono das pessoas, capaz de as fazer [ricas?] ou de as arruinar com um sopro apenas, venerado por muitos, odiado por muitos, mas nunca maldito por ninguém, entre os prudentes, e, mesmo pelos indiscretos, em retraídos murmúrios apenas.Qual é o segredo da sua formidável supremacia? Diz um que é a sua prodigiosa riqueza – uma riqueza que, gotejando sob a forma de salários e outras receitas, sustenta multidões, e as compele a interessada e leal vassalagem; diz outro que é o seu magnetismo pessoal e a sua persuasiva argumentação, que hipnotizam e escravizam todos os que se movimentam nos círculos da sua influência; diz outro que são as suas majestosas ideias, os seus vastos esquemas para o engrandecimento territorial de Inglaterra, a sua ambição patriótica e abnegada de alargar a beneficente protecção britânica e o seu justo domínio aos sertões pagãos de África e iluminar a escuridão africana com a glória do nome da Grã-Bretanha; e diz outro que ele quer a terra e a quer só para ele, e que a crença de que a há-de ter e há-de acolher os amigos no rés-do-chão é que constitui o segredo que chama a ele tantos olhares e o conserva no zénite onde nada lhe obstrui o panorama.Pode escolher-se a versão que se queira. São todas ao mesmo preço. Uma coisa é certa: mantém a proeminência e um vasto culto, faça lá o que fizer. Engana o Duque de Fife – é o que o Duque diz – mas isso não destrói a lealdade que o Duque tem por ele. Engana os reformistas numa confusão imensa com o seu Raid, mas a maior parte deles julga que ele fez por bem. Choraminga pelos desgraçados dos joanesburgueses, tão sobrecarregados de impostos, e faz deles seus amigos; ao mesmo tempo, cobra aos colonos da sua Companhia 50 por cento, e ganha deles assim tanto afecto e tanta confiança que se sentem abalados pelo desespero de cada vez que se ouve dizer que vai fechar a Companhia. Ataca e rouba e mata e escraviza os matabeles e recebe por isso enormes ovações dos cristãos da Companhia. Endrominou a Inglaterra para que comprasse papéis velhos da Companhia com notas do Banco de Inglaterra, tonelada a tonelada, e os burlados ainda queimam incenso em sua honra como se do Deus Supremo da Fartura se tratasse. Fez tudo o que conseguiu idear para ser atirado por terra; faz mais do que o necessário para provocar a derrocada de dezasseis grandes homens de tipo normal; e, no entanto, continua de pé até hoje, na vertigem do seu pináculo sob a cúpula celeste, permanentemente, ao que parece, a maravilha do nosso tempo, o mistério da nossa era, arcanjo com asas para meio mundo, satanás de cauda para o outro meio.Admiro-o, confesso francamente; e quando chegar a sua hora, hei-de comprar um bocado da corda, só para guardar como recordação.
Os encontros a uma hora determinada nunca funcionavam. As pessoas achavam estranho que eu ficasse perplexo quando apareciam ou dia ou uma semana depois do que tinha sido combinado, ou quando, depois de andar mais de uma milha a pé, não estavam em casa.Não li o livro de Nigel Barley e não sei, por isso, o que ele conclui desses atrasos, mas o antropólogo Anders Joahnssen, que leu o livro, conclui que tudo isto é porque os dowayos, como outros povos de sociedades pré-modernas, têm uma concepção do tempo diferente da nossa, heterogénea e descontínua, segundo a qual as coisas se fazem “quando tudo está pronto[4]”.
[Em aimara,] nayar significa ao mesmo tempo “a palavra que está diante de nós” e “a palavra antanho”; a oposta, cchina, que significa “futuro”, aplica-se ao que está situado atrás. Deste modo, a ideia de representação do tempo para o aimara, ao contrário da concepção ocidental, consiste em olhar para o passado diante de si e considerar que o futuro se encontra atrás. Por conseguinte, o vector temporal está invertido em relação ao pensamento ocidental; o passado precede, está em frente. Devemos associar, sem dúvida, a esta particular concepção do tempo e do espaço subjectivo o tempo vivido, e ter em conta que a sucessão das idades míticas obedece também a uma classificação muito diferente[5]”.Quero só dizer que a ausência ou presença de expressões para assinalar de uma forma “precisa” um determinado momento temporal não tem nada a ver com língua nem com a concepção do tempo. A mim, ocidental que sou, não soa nada estranho “quando o sol se levanta” em vez de “às 5 e 45 da manhã”; linguisticamente, também não vejo nenhuma diferença na marcação temporal. A diferença entre o uso de uma e outra expressão, temos de a procurar apenas no facto de estar mais ou menos habituado a referir o tempo ao nascer do sol ou ao relógio… É como medir em centímetros ou em palmos uma distância: a diferença está só na medida usada. Ou como referir uma distância como “a quinze minutos a pé” ou “a cerca de um quilómetro” ou “a 864 m”.