Não sei porque pensei nisto. Talvez por causa de uma série de fotos que vi algures de guardas de campos de concentração nazis, com legendas que diziam qualquer coisa como “estes monstros parecem, afinal, pessoas normais”. A maior parte das pessoas, pelo que tenho observado, estão sinceramente convencidas de que são pessoas boas e que as pessoas más são outro tipo de pessoa. E, se chegam a admitir, surpreendidas, a humanidade de criminosos e monstros de toda a classe, custa-lhes mais admitir uma outra proposição verdadeira: todos trazemos dentro de nós o mal todo de que os humanos são capazes. …Ou, pelo menos, a maior parte dele. E dedicamos uma parte importante do nosso tempo e da nossa energia a
negar esse mal que temos cá dentro, a impedir que faça parte das nossas ações. É por isso que não é esse mal, por si, o maior problema – o maior problema é, claro está, não sermos capazes de negar o que não queremos ser; ou então, talvez pior ainda, não sei…, acreditarmos que, por estarem dentro de todos nós, esses horrores não podem, afinal, ser o mal que críamos serem e arranjarmos nomes bonitos com que os louvar…
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Uma coisa diferente, a propósito da expressão
negar-se e de conflitos entre a nossa moral e outras partes de nós: Dizia um amigo meu que é mais fácil a vida de um conservador que a de quem queira mudar a sociedade, porque não tem o conservador de negar-se tanto. Uma parte do que é fundo em nós é adquirida muito cedo – o meu amigo falava, por exemplo, de modelos de género e da conceção da autoridade e das hierarquias – e sermos como nos ensinaram a ser causa menos inquietação do que vigiarmo-nos constantemente para agir e pensar de acordo com o que achamos bem e não como fomos socialmente programados para agir e pensar. Parece-me que a facilidade com que negamos educação e cultura depende também, em grande medida, do que se passe em torno de nós, da aprovação que haja da mudança nos grupos de que fazemos parte e em toda a sociedade. Mas acho que, em parte, esse meu amigo tem razão.
2 comentários:
Escrevi sobre isso aqui: http://imagenscomtexto.blogspot.pt/search?q=vanessa
Esse seu amigo deve considerar-se progressista e achar que a vida dos outros é mais fácil. Em cada momento histórico, independentemente de se ter uma maior tendência para mudar ou para conservar, os homens de boa vontade tentam identificar o que se deve manter e o que se deve mudar com cuidado e apreensão. Pode-se dizer também que a vida é mais fácil para quem quer mudar tudo pois não tem que se preocupar com a possível qualidade do que se quer deitar fora.
Concordo completamente com o seu texto, caro José Júlio. Quanto ao resto, creio que devia ter deixado mais claro de que vida o meu amigo falava, porque pode realmente parecer que me refiro à vida em geral e não era essa a ideia do meu amigo; nem eu poderia concordar, nem que em parte, como essa ideia. (O meu amigo era um progressista, de facto, pelo menos segundo a noção mais comum de progressista, mas era, sobretudo, uma pessoa com um grande sentido moral e muito atenta ao sofrimento alheio. Não sei nada dele há muitos anos e tenho pena de lhe ter perdido o rasto e, sobretudo a companhia, mas é assim a vida....) É da vida interior que ele falava, mas especificamente da negação do que se torna automático por ter sido adquirido muito cedo. Eu, por exemplo, como a grande maioria dos homens da minha geração em Portugal, fui educado para ser homem de uma maneira com que não concordo e que implica uma conceção do feminino, um repertório de atitudes e perceções, etc., que estão fundos em mim e que podem sempre vir ao de cima, se não os vigiar. Se eu assumisse antes que devia conservar a relação entre homens e mulheres que me foi inculcada em criança, não tinha de me contrariar em nada. Este é apenas um exemplo, mas há muitos mais. E é esta a proposta do meu amigo, com que digo que, em parte, posso concordar. Aliás, a função de uma cultura é facilitar-nos a vida, não termos de nos interrogar constantemente como relacionar-nos com o meio e com os outros. Mas concordo também completamente, no que respeita às escolhas sobre o que preservar e o que alterar, que é fundamental no mundo uma tensão ponderada entre o conservadorismo e a inovação; e que mudar só por mudar não custa nada nem traz nada de bom ao mundo. Espero ter agora deixado mais claro que não era disso que queria falar.
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