Toda a minha vida fui Vítor. Quer dizer, sempre foi assim que escrevi o meu nome. O meu primeiro bilhete de identidade tinha Vítor e todos os outros bilhetes de identidade que se seguiram tinham Vítor também. A confusão começou de uma vez que me roubaram o passaporte em Moçambique e tive de mandar vir de Portugal um assento de nascimento. Foi nessa altura que descobri que era Victor que constava desse documento inaugural. De maneira que fiquei Victor nesse passaporte — mas voltei a ser Vítor no passaporte seguinte… Mas depois, quando fui tirar o meu primeiro cartão de cidadão, recusaram-me o Vítor.
Até aqui, já tinha contado a história toda aqui na Travessa. Agora, em junho passado, quando fui renovar o passaporte no consulado em Copenhaga, voltaram a recusar-me a grafia que sempre usei. Durante alguns meses, fui Vítor nos documentos dinamarqueses e nalguns documentos portugueses que não uso há anos e que não sei se alguma vez voltarei a usar, e Victor nos dois documentos portugueses mais recentes, o cartão de cidadão e o passaporte. Mas achei que isso ainda havia de me arranjar problemas e resolvi uniformizar tudo: agora sou Victor também nos documentos dinamarqueses.
Ser Victor é, ainda, uma coisa estranha para mim e para quem sempre me conheceu como Vítor. Mesmo os meus colegas dinamarqueses me dizem que não se habituam a que eu agora seja Victor.
– Não têm de mudar a maneira de dizer, aquele C não se pronuncia em português –, explico-lhes eu, mas, para eles, Victor é outro nome, o nome dinamarquês que também se pode escrever Viktor.
Valha-nos isso, o meu nome internacionalizou-se, porque Victor há em todo o lado. Em inglês, até como nome comum. É claro, o que se ganha em internacionalismo é o que se perde em exotismo, mas sempre fui mais apologista do primeiro que do segundo.
Já pensei em mudar também o nome do blogue — ou, pelo menos, a fotografia do cabeçalho.
3 comentários:
É um dos defeitos que eu encontro no Acordo Ortográfico de finais do Século XX, existem imensas palavras em português que na versão anterior ao acordo eram muito parecidas ao inglês, ao francês e ao espanhol, como por exemplo electricidade. exacto, espectador e outros, que passaram a ser diferentes.
Vítor, vitória, contrato são exemplos contrários em que já tínhamos suprimido o C. Eu costumo sempre hesitar se contrato terá c pois vi muitas vezes a versão inglesa.
Não sei porquê, deixei de receber no Outlook notificações de comentários no blogue. Vi este e fui verificar e vi que há mais dois comentários seus, a que responderei depois. Mas agora já subscrevi os comentários outra vez.
A reforma ortográfica de 1911 e o acordo ortográfico de 1945 constituíram uma mudança de paradigma na ortografia portuguesa. Em primeiro lugar, porque em 1911 se fixou, pela primeira vez, uma norma ortográfica, que até então não existia; e, em segundo lugar, porque alteram a essência da lógica ortográfica, passando de uma lógica etimológica (às vezes só pretensamente, mas isso é uma longa discussão) a uma lógica fonológica, isto é, fazendo corresponder cada letra não a um som, mas a uma unidade do sistema, um fonema.
Esta grande revolução ortográfica ficou, porém, muito incompleta, e, mesmo com as melhorias introduzidas em 1945, manteve uma série de incoerências. Contrato é um bom exemplo: contrato perdeu o C etimológico, mas tracto e tacto, por exemplo, mantiveram CC etimológicos que tinham desaparecido da língua (se alguma vez chegaram a fazer parte dela). Muitas outras palavras com CC etimológicos não pronunciados antes de T, porém, perderam-nos em 1911: conflicto, afflicto, producto, lucto, fructo, um sem número delas. Outros CC, todavia, que não tinham mais razão para se manter que estes, mantiveram-se até ao AO90: insecto, projecto, etc. Muitos destes CC existem, como o José Júlio diz, em várias outras palavras cognatas de outras línguas, porque/quando se pronunciam. Em italiano, por exemplo, não existem, porque foram substituídos por um redobro do TT (também oralmente, uma coisa que é difícil para os portugueses, e não só, quando aprendem italiano). Em muitos casos, desapareceram também em francês: projet, conflit, contrat, etc. Noutros casos, não existiam já em espanhol (fruto, luto), o que significa que a forma sem C é comum a todo o romance ibérico e que, por isso, a forma portuguesa sem C é mais antiga, tendo o C sido introduzido posteriormente por latinistas. Enfim, a situação varia um pouco de língua para língua conforme as palavras. Nas línguas germânicas, muitas vezes o C foi substituído por K, que é a letra que usam para o som [k]: projekt, produkt.
A questão destes CC é, precisamente, uma daquelas em que o AO 90 levou finalmente a bom termo o espírito da reforma republicana: agora não há exceções, o C escreve-se quando corresponde a um /k/ da língua e não se escreve quando era só um vestígio etimológico.
Para mim, o problema maior de Victor é que é um erro ortográfico: as palavras graves terminadas em R têm de levar acento, por isso, mesmo aceitando um C não pronunciado, é Víctor que se devia escrever. Mas enfim, os nomes próprios ficam sempre fora das regras de ortografia ainda há gente com nomes com TT duplos e coisas assim. É sempre assim.
Havia um colega que escrevia o nome Mattos com 2 TT e que nós a gozar pronunciávamos Mátetus.
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